quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A primeira vez...

Na primeira vez que escrevo neste sítio, procuro a primeira vez que pisei as ruas deste bairro e assim regressar a uma experiência com mais de quinze anos. Claro que este exercício rapidamente se revela de grande inutilidade, pois não há facto que não surja misturado com outro. As presenças aparecem como imagens confundidas com as de outras pessoas. A história emerge sempre contaminada por anos de histórias de copos e cigarros, de amigos, de sítios que já fecharam, de cheiros, de encontros, de conversas apaixonadas, de tristezas, de risos, de emoções, de amores e desamores…
A primeira vez que fui ao Bairro Alto foi ontem, mas também foi há quinze anos.
Nunca sei qual é a Rua do Diário de Notícias nem a Travessa da Espera. Perco-me de cada vez que quero ir dar às Catacumbas ou ao Clandestino. Mas desfruto sempre daquelas ruas cheias de gente à noite, povoadas de vozes que se atropelam entre línguas e sotaques vindos de toda a parte e por onde deambulo sempre como da primeira vez. É como andar perdido sabendo exactamente para onde quero ir. Socorro-me da memória na esperança de pontos de referência que me guiem no meu caminho. Socorro-me da memória para constatar que já aqui tinha estado e, no entanto, tudo tão novo, tudo tão surpreendentemente novo. Socorro-me da memória para escrever este texto, mas entre o vivido e o fantasiado, esta surge contaminada constituindo-se assim num exercício da mais plena liberdade. Sem compromisso com os factos, a minha memória não retrata nem relata a história de uma primeira vez, mas antes cruza experiências de vezes sem conta, de primeiras vezes actualizadas e transformadas pelo tempo e por este espaço tão particular e com a capacidade daquilo que é novo. No Bairro Alto, todas as vezes são a primeira.

#1 texto publicado em www.ilovebairroalto.com
Lisboa, 17 de Novembro de 2010

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