segunda-feira, 30 de julho de 2007

Maravilhoso Funeral!( um Requiem contemporâneo)

Já muitos compositores, escreveram trabalhos dirigidos aos finados, no entanto, e apesar da genialidade de algumas destas obras, o texto limita-se à pobreza religiosa, em que o sentimento latente e manifesto à perda de alguém querido, está esquecido e parece não surgir implicado. Ao ouvirmos Funeral, álbum de estreia dos The Arcade Fire, podemos dizer que estamos perante uma mudança de paradigma no que respeita à forma do Requiem. Assim, da primeira à última música, somos conduzidos por um mundo complexo e variado, onde os instrumentos conversam entre si num diálogo íntimo de quem se conhece, e a cada palavra deitada para fora, uma nova ideia, uma nova vida nasce. Entramos por Tunnels que nos transportam a quartos que nos habituámos a ver com vida, cheios agora pelo marulhar da água, jorrada pelas cordas de um piano que chora, e aqui, “esquecemos tudo o que conhecíamos”. Ao longo do disco, acentua-se a procura de alguém que já não é, que já não está, e somos então convidados a amar as pessoas de quem gostamos enquanto é tempo, pois a partir de um fim, o mundo deixa de ser como sempre o conhecemos, e é substituído por lugar estranho e sombrio. No entanto, a escuridão deste novo mundo, contrasta com a força e energia que pautam este Funeral, que arranca à amargura da vida arrancada – por vezes em tonalidades melancólicas delineadas sobretudo pelos arranjos das cordas e das vozes – um desejo de viver para sentir todas as coisas. A intimidade deste álbum tem o cheiro de uma almofada partilhada, vazia após uma noite de sono, e o conforto de sabermos que apesar de tudo a vida continua.
Em Rebellion (Lies), o corpo salta até à exaustão, sem conseguir parar, numa dança catártica, frenética e apoteótica, para depois sermos levados “na paz do banco de trás”, onde apenas temos de permanecer, sem fazer, sem falar, e podemos então mergulhar no silêncio do melhor disco de 2005.
Funeral, está imerso num ambiente de emoções fortes, que se reprimem e atraem, joga-se entre a vida e a morte, entre a separação e o casamento. A sonoridade surpreende a cada segundo e denota a criatividade e maturidade de quem, num álbum de estreia, revela a consistência dos mais experientes e roadados compositores da pop, como aliás de imediato foi reconhecido por bandas como os U2, que abrem concertos com a guitarra distorcida e quebrada de Wake Up, e por génios como Bowie que quis participar no crescimento deste futuro e se juntou aos The Arcade Fire para com eles cantar, e talvez para recordar o que é nascer dentro da música como no início da sua próspera carreira.
Este é um Requiem que não promete o “descanso eterno”, mas sim a continuidade da vida, de uma banda que se revelou uma das melhores da última década. Assim este Funeral não é um fim, mas antes um nascimento, se eu fosse músico, gostava de ter feito este disco!

14/02/06

Sem comentários: